segunda-feira, maio 26

lugar

-- estava contigo em meu pensamento.

ela me disse no final de uma conversa sobre o roteiro de uma edição. tentei deslocar a frase para o contexto no qual conversávamos. mas a frase estava no lugar certo. e eu também.

memória de abajur

havia uma pequena loja de abajur na esquina de uma rua onde costumava passar para ir a casa dela. da calçada, quando eu ia embora, olhava para a janela dela e costumava ver as sombras projetadas nas cortinas e as luzes se apagavam. sempre pensei em lhe comprar um abajur para amenizar suas sobras. sempre achei que fosse necessário que as sombras fossem amenizadas.

hoje a moça da janela já se mudou. passei por acaso nessa rua e vi a pequena loja. lembrei-me dela e das vezes que pensei em comprar um abajur. lembrei também os livros que quis que ela lesse sob esse mesmo abajur e como eu desligaria para que nos perdêssemos. de como comporia com a poltrona que também imaginei lhe fazer com estofagem veluda mas consistente. a pequena loja estava aberta.

entrei por uma pequena porta de vidro e fui atendido por uma senhora.

-- deseja um abajur?

-- o desejo é um abajur?

terça-feira, maio 13

a invenção

agora posso falar dos sentimentos porque percebi que todos os meus sentimentos são invenção. mas ainda não sei falar de sentimentos sem inventar.

os fantasmas se divertem

eu converso com fantasmas alheios. almas penadas que perseguem pessoas que eu supostamente amo. divirto-me com a idéia de que posso ter uma conversa bastante produtiva com quem amendronta, angustia ou inferniza os meus amados. porque para mim esses fantasmas possuem um universo próprio criado na antecâmara das falácias, dos medos, da resignação e da covardia. muita coisa está a um passo das eternidades, das infinitudes e do que é esteticamente belo em questão de sentimentos. os fantasmas deram um passo para trás; os fantasmas atravessaram todas essas tolices de felicidades que poderiam ser e não foram.

os meus fantasmas são aqueles que amo. a mim, atravessam e não olham para trás.

segunda-feira, maio 12

musica do coração

há mto tempo não tenho aquela sensação de que uma música está me dizendo o que preciso saber. há mto tempo também não me entrego de alma a uma. tirar a força do pescoço e pender a cabeça. prestar atenção na síncope do coração. deixar os olhos no limite das lágrimas. o pé marcando o compasso e tudo se encaixando como deveria ser.

sorrir.

quinta-feira, maio 8

. visita .

eu te visitaria se soubesse seu endereço.
eu te daria chocolates se soubesse se a preferência é por ao leite ou meio amargo.
eu te recomendaria filmes se soubesse se é choro ou o riso quem te reconforta.
eu te amaria se soubesse que amar era íncio e não fim.

o baixo swingado de gardênia love . parte 1

acabei entrando numa dessas casas indies pelo preço da cerveja. depois da meia-noite os botecos viram abóbora e fecham para esconder suas vergonhas e o que sobra são esses lugares cheios de gente jovem com lápis no olho, piercing, pegação e cabelo lambido. não necessariamente nesta ordem.

já fiquei puto por 2 motivos: 1. tive que pagar na entrada por uma cerveja que ainda nem tinha visto e 2. a modernidade inventou as lojas de conviniência e criou a desmemória da correria do dia-a-dia.

fiquei ali sentado saboreando a salgada cerveja com uns amendoins roubados de uma outra mesa. e percebi um murmurinho em um pequeno elevado que depois percebi ser um palco. tentei apressar-me com a cerveja e os amendois, mas não consegui por 2 motivos: 1. a cerveja não era tão salgada vide que o canhoto dizia que eram 2 e a segunda não tardou a chegar e 2. o consumo exagerado de amendoin em tal velocidade eleva minha pressão o que faz sangrar as minhas narinas.

quando o show começou, eu já ia me dirigir com a segunda cerveja e os amendois de uma segunda mesa para uma terceira mesa quando o som tosco do lugar me pegou. entre aquelas guitarras distorcidas, aquela bateria que não se ouvia mas se sugeria e uma voz que eu não sabia se era homem ou mulher, entre aquele monte de sons sinistros havia um som grave e delicioso: o baixo swingado de gardênia love.

não me importei mais com toda aquela gente. nem com a indiferença das pessoas quanto a banda e da banda com a baixista escondida lá trás quase perto do banheiro masculino. fiquei ouvindo aquela pegada cheio de flea e que soltava uns slaps logo repreendidos pelo resto da banda.

pedi outra cerveja e fiz questão de pagar por outros amendois. a apresentação durou meia hora e ninguém pediu bis. enquanto o resto da banda era cumprimentado pelos poucos ouvintes fãs parentes da banda, gardênia love guardava seu baixo em seu case e foi até o bar onde já havia um copinho de tequila bordado com sal a espera.

depois, ela foi embora. na semana seguinte, voltei ao lugar para ver se haveria nova apresentação da banda. os garçons me disseram que a banda se disfizera, mas que a baixista já estaria ensaiando com uma outra.

-- aquela ali é o cú, mas curte tocar. devem estar ensaiando e logo mais estão aqui.

perguntei como ele tinha tanta certeza de voltaria a tocar ali. ele compreendeu que me referia ao swing de gardênia e a possibilidade dela montar uma banda com outro gênero que não o da casa.

-- a tequila.

-- por quê?

-- por 2 motivos. 1 . é fabricação própria e 2 . o sal é do mar morto.

. saudades aureas .

foi passar um vidrex na janela que toda aquela visão turva do céu ficou nítida.
foi preciso uma nuvem para delinear o que era esboço.
a condensação do meu hálito nos vidros não impediu que minha visão se prendesse.
como se o ar em transito pudesse desfazer as nuvens.
quis, por alguns instantes, abrir a janela e ser surpreendido pelas diferenças de temperatura.
mas o coração hesitou: "segura o mundo que te atravessa,
vista a camisa com a melhor estampa, escove os dentes, desarrume o cabelo,
calce o tênis, abra a porta e parta".
passei pela porta e o mundo passou por mim.
fui ficando nítido para as nuvens.

terça-feira, maio 6

. rain down .

para chris o.

há qualquer coisa de vento em mulheres de regatas
e há qualquer coisa de tempestade nos cabelos curtos.
outro dia, quando voltava para casa, um brisa ameaçou.
a menina que atravessava a rua descuidada
fez que ia e desapareceu. sentiu saudades.
li em seus ombros no relance antecedente,
qualquer coisa que inclinava e precipitava.

domingo, maio 4

. ana c .

chegou ontem o livro da ana cristina césar. a teus pés . surpreso fiquei ao ver na orelha uma foto dela. nunca tinha visto nenhuma, só nitrato de prata da imaginação.

eu já a vi por aí, pela cidade, pelo trafégo, pelas pernas, pelo ar. tão bonita... com seus cabelos curtos e óculos grandes. tomando café e fumando cigarros.

ainda não li o livro. tenho medo. tenho medo de não enxergar mais ana cristina césar pelas ruas. de confinar ana cristina césar em seu próprio livro.

mas ela sussura. sou tão curioso quanto medroso, confesso.